segunda-feira, janeiro 02, 2006

O dia em que a Globo morreu

Em Campinas 19, em Taiaçu 13, em São Paulo 5. Não importa onde fosse: as grandiosas novelas e jornais globais deram lugar ao chiado ?formigueiro?. Incontáveis os soquinhos do lado direito da TV, as palmadas no controle remoto. Tudo em vão.
Os mais curiosos se atreveram a arrastar o aparelho do móvel, mexer lá trás naquele monte de fio ? Mal contato, certeza. Foram muitos também que desistiram rápido, passearam nos outros canais atrás de outro programa. Na verdade até acharam algo interessante para assistir, mas o que diabos houve com a Globo? Era só entrar o comercial, um clipe mais chato, que voltavam para o tal canal, mexiam de novo, socavam de novo, e nada.
?Tchiiiiiiiiiiiiiiiii? As formigas não saiam dali. Chama-se a mãe, o pai, o tio... Vá lá na rua minha filha, veja com a Dona Ana se na casa dela está assim também. E todo lugar tava. O salão de cabeleireiro, a academia, a padaria. Não se entrava num acordo. Era Tchiii na Globo, alguém mudava de canal, na TV lá em cima, com botões pequeninos e atrofiados que ninguém nunca meche. Muda uma vez muda outra. E até aqueles que nunca nem repararam que havia televisão no lugar já opinavam em qual seria o novo canal. Não se chegava em um consenso , a cada minuto era um baixinho que ia até a tevê, e nas pontas dos pés mudava a tela novamente. Isso quando não chegava um desavisado, que entrava no lugar e punha direto na Globo. E enquanto todos o olhavam, enquanto os cochichos o rodeavam, ele batia, socava, e dava tapinhas. Pronto, mais um.
E a situação começou a preocupar. Ninguém estava tranqüilo, queriam entender, queriam um plantão daqueles da Globo, que interrompesse o chiado com a música tão temerosa e explicasse o que estava acontecendo. As operadoras de Tv a cabo então, telefonavam na emissora para saber alguma notícia e ninguém atendia. E eram tantos os chamados dos usuários que antes de as moças atenderem, os clientes ouviam a gravação que dizia não ser responsabilidade da Cambras, TVA, Net.. E mesmo assim as atendentes não paravam: muita gente querendo o dinheiro de volta, culpando o vizinho que fez gato, e até sugerindo uma explicação.
Idéias não faltavam. No boteco deixaram a TV no mute, ligaram o rádio velho e nas mesas discutiam a tragédia. Para os são paulinos foram os corintianos, para os palmerenses também, mas como o alvo e negro era maioria todo mundo concordou que o problema, certeza, era o Galvão. No salão de beleza então concluíram que era coisa da Adriane Galisteu: inveja, ibope, algum caso mal resolvido.
Se teve missa aquele dia pode ter certeza que virou pauta, até imagino aquelas senhoras mais noveleiras comentando que assim foi melhor, que deve ter sido o papa quem pediu. Mas sei que teve aula, e o papo lá no fundo era algo sobre o Bush, não entendi direito. Parece que teve uma notícia no Jornal da Globo sobre brasileiros presos nos Estados Unidos, acusação de terrorismo, condenação a pena de morte. Algo assim.
E por falar em Jornal da Globo, ouvi falar também que a Ana Paula Padrão tava ouvindo muita picuinha dos globais, que nem chamaram pro amigo secreto.
A verdade ninguém sabia, mas tava anoitecendo, e a movimentação era como se houvesse acabado a força na cidade. Assim como a noite deixaria tudo no breu sem energia elétrica, sem a Globo, e chegando as oito horas da noite, o mundo estaria tão escuro quanto.
E era tanta gente assitindo ao chiado! Até que o SBT preparou uma reportagem especial sobre o acontecido, e pronto: todo mundo fez igual. Em todos os canais só se via falar da Globo. Especialistas soltavam seus palpites, ex-globais relatavam como foi trabalhar lá dentro, choravam ao lembrar das amizades que lá fizeram. O ibope, que nunca havia sido tão grande na Globo, começou a diminuir.
É claro que volta e meia as pessoas passavam rapidinho pra ver se tinha voltado, mas era tanta especulação nos outros canais, que começamos a esquecer. Foi assim que o Brasil sobreviveu sem o Plim Plim das oito horas da noite até a manhã do dia seguinte. Completadas mais de 12 horas de desaparecimento, as despedidas começaram a surgir na RedeTV. Música trágica (Roberto Carlos cantado ao vivo), imagens se sobrepondo, uma multidão nas sedes da emissora, totalmente abandonada, e helicópteros sobrevoando, mostrando ao vivo para todo o país o último adeus. Retrospectivas não paravam, todos os canais eram quase um vídeo show 24 horas. Quem tinha programas gravados em casa lucrou demais.
Isso tudo durou mais ou menos uma semana, até que a Globo ficou somente na memória. A polícia arquivou o caso, o Lula se pronunciou algumas vezes, o Rio de Janeiro nunca esteve tão vazio. Mas tudo ficou ainda mais confuso dias depois. O dia em que o Silvio Santos chorou.